Como as empresas brasileiras inovam na prática
Maurício Vianna, Ysmar Vianna, Clarice Falcão e Bruno Medina
Fonte: https://goo.gl/QAu2PM
Inovação, no Brasil, é uma palavra de múltiplos significados; a percepção se ampara, possivelmente, no fato de que — comparado aos mercados mais maduros — o país parece ainda estar na adolescência quanto à sua identidade inovadora. Assim como ocorre na vida, o período turbulento de aprendizados nem sempre agradáveis se prova a longo prazo um mal necessário, imprescindível para a definição da personalidade. Num futuro não muito distante, ao olhar uma fotografia tirada hoje como se pareceria a inovação no Brasil?
Inovação no Brasil: a fotografia de hoje
Na última edição do Global Innovation Index — estudo anual que compara indicadores de inovação extraídos em mais de 140 países, o Brasil amargou apenas a 70a posição. A bem da verdade, a América Latina como um todo teve um desempenho que poderia ser considerado no mínimo frustrante, abaixo do alcançado, por exemplo, por nações menos abastadas como Quênia ou Uganda. Ainda de acordo com o estudo, há ambiente favorável à inovação sobretudo no Brasil, Argentina e México; entretanto, este potencial ainda é muito pouco explorado por empresas e governos.
Um dado interessante deste recorte é que, dentre os países em desenvolvimento, o Brasil aparece apenas atrás da China no quesito “qualidade de inovação”, conceito que corresponde à produção acadêmica e às patentes registradas. Isso, por si só, apoia a teoria do potencial inexplorado, provando que temos conteúdo sendo gerado, mas nos falta ainda empreender.
Aspectos como este nos levam a crer que ainda há um caminho relativamente extenso a ser percorrido, mas isto não significa que, ao longo do trajeto, não será possível deparar com valiosas oportunidades. No portfólio de clientes de consultorias como a MJV, especializada em inovação e tecnologia, figuram empresas nacionais de diversos segmentos, o que atesta quão promissor pode ser o ambiente brasileiro.
Construindo a empresa de amanhã
“O Mapa da Inovação no Brasil” é o título do estudo desenvolvido pela MJV no fim de 2015 com o intuito de mapear a produção nacional obtida a partir do emprego de metodologias e ferramentas de inovação, bem como a estruturação do trabalho em torno do tema e o montante investido. Participaram da pesquisa cerca de 200 líderes das maiores empresas situadas nos principais estados do país e pertencentes aos segmentos de TI, alimentos, telecomunicações, varejo, educação, finanças, seguros, construção civil, mídia, saúde e serviços diversos.
A grande maioria dos entrevistados (82%) afirma que a empresa em que atuam desenvolveu ao menos um projeto ligado à inovação no ano de 2015, ao passo que 36% deles estiveram envolvidos em mais de dez projetos dessa natureza durante o ano passado. Já para 72%, a inovação está na lista de prioridades da empresa, em maior ou menor grau de relevância. Esses dados reforçam a ideia de que o conceito de inovação é ainda fragmentado e se traduz em mudanças incrementais. “É como ter duas empresas dentro de cada empresa: uma que sustenta a estrutura hoje e outra que ainda não performa, mas deve prosperar no futuro”, diz Manuel Falcão, diretor de marketing da Globosat, empresa que tem, em sua missão, buscar constantemente inovação nos modelos de negócio.
Por estarmos vivendo a inovação no Brasil em sua infância — ou adolescência — o resultado dos projetos ainda não se apresenta como algo disruptivo, na maioria dos casos. São geradas alterações na ordem vigente, mas os grandes paradigmas ainda se mantêm. A ordem natural é que depois de tantas mudanças incrementais possamos, então, iniciar a inovação disruptiva.
Segundo André Lauzana, vice-presidente de capitalização da SulAmérica, a crescente velocidade das mudanças no mercado torna a demanda por novas soluções de negócio ainda mais urgente. Ele reconhece a relevância da entrada das startups nesse contexto: “As startups têm contribuído para as mudanças no mercado, impondo agilidade e foco aos negócios. Somos uma empresa inovadora e estamos sempre atentos às tendências de mercado”. No ano passado o segmento de capitalização da empresa executou dois projetos ligados à inovação e já deu início a um terceiro nos primeiros meses deste ano: “Nossa intenção é fazer cada vez mais projetos que contem com o DNA da inovação, porque o produto de capitalização em si é simples. Nossas soluções de negócio envolvem não só o produto, mas também abordagem comercial, a camada de marketing, a embalagem. É um mix”, comenta Natanael Castro, superintendente de produtos de capitalização. Seu primeiro projeto lançou um novo produto: um seguro que garante contratos de locação. Além do produto, a SulAmérica investiu ainda na experiência do cliente desenvolvendo novos canais digitais para a venda e distribuição desse seguro.
Outro exemplo de inovação em vantagem competitiva vem de uma grande instituição financeira que precisava aprimorar o processo de venda voltado ao segmento de baixa renda. Neste caso, utilizaram o design thinking para definir “personas” (personagens ficcionais concebidos para gerar e validar ideias) que foram cruzadas com padrões de comportamento de compra extraídos do CRM. A partir do casamento de informações, foi possível criar uma espécie de tinder analógico entre clientes e produtos financeiros, isto é, ao abordar um novo cliente, o vendedor tem a possibilidade de encaixá-lo numa das “personas” definidas e, assim, oferecer o produto mais adequado. A taxa de conversão dos vendedores aumentou em mais de 60%.
Já no caso da Kroton, empresa de educação, o foco era melhorar a experiência do usuário em seu segmento de educação a distância (EAD). Paulo de Tarso, vice-presidente de inovação e negócios, explica: “Comparado ao modelo presencial, o EAD 100% online enfrenta uma barreira muito maior para gerar comprometimento do aluno, não só pela distância, mas muitas vezes também pela dificuldade do aluno em usar a plataforma”. Com o objetivo de diminuir a taxa de evasão e melhorar a qualidade do EAD, a Kroton decidiu investir na experiência do usuário, remodelando seu ambiente virtual do ponto de vista da experiência do usuário (UX) e da interface propriamente dita (UI). O novo modelo tem enfoque na organização dos estudos e interação com a turma, incluindo aspectos da gamificação para atender às necessidades do consumidor.
Todos esses projetos têm em comum o uso do design thinking, metodologia de inovação centrada no usuário que propõe a prototipagem rápida em ambientes e tem como princípio a geração de valor tanto para o cliente quanto para o negócio. “Identificamos que trabalhávamos as coisas muito de dentro para fora, consultando pouco o cliente para saber o que ele de fato precisava. A proposta do design thinking é justamente colocar-se no lugar do cliente ou do usuário. É um viabilizador para que a gente tenha um mínimo de estruturação”, defende Luiz Ortiz, diretor de TI da Orizon.
Financiando projetos
Apesar da consciência predominante da necessidade de inovar, a dificuldade em obter financiamento para projetos de inovação ainda aparece como um obstáculo considerável para os gestores. Uma possível explicação para essa aparente contradição consiste no fato de que, em termos gerais, é mais fácil adotar o discurso de entusiasta da inovação do que efetivamente sê-lo. Visto que na maioria das empresas atuantes no país não existe um orçamento específico dedicado à inovação, na prática o dinheiro que financia esse tipo de projeto desfalca o investimento em áreas onde o resultado pode ser mais tangível. Liderar ou envolver-se com tais iniciativas representa um risco que nem todos estão dispostos a assumir. Não causa estranhamento, portanto, que as três principais barreiras citadas pelos entrevistados foram: “tangibilizar os resultados dos projetos”, “financiar projetos de inovação” e “identificar líderes internos que possam apoiar as iniciativas”.
Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de abril de 2015, já apontava o financiamento dos projetos como principal entrave para a inovação no Brasil. Os líderes da área explicam que, na maioria das vezes, não há orçamento específico para inovação, principalmente nos casos em que não há um departamento único dedicado ao assunto. Diante deste cenário, muitos recorrem a recursos externos, públicos e privados, para complementar seu orçamento de inovação (67,5%, segundo a CNI). Outros acabam por omitir o destino da verba com o intuito de mantê-la no orçamento. Os respondentes da pesquisa mencionaram também a estratégia de executar projetos-teste a custos mais baixos no próprio cliente como forma de viabilizar a prototipagem de novos conceitos. Esses relatos explicam o porquê de muitos dos participantes, apesar de ocuparem cargos de liderança nas empresas, terem respondido “não sei” a respeito do orçamento do qual poderiam dispor.
Na Europa, algumas empresas já experimentam táticas mais ousadas para custear os projetos, como se observa na instituição financeira BNP Paribas Securities Services. Por lá, seu chamado “fluxo estruturado de inovação” permite a participação de milhares de colaboradores espalhados ao redor do globo, num processo faseado que se inicia a partir de uma ideia e termina na entrega de um produto em fase beta, pronto para ir para o mercado. O processo, liderado por Sebastien Nunes, head of innovation and fintech, e Danielle Winandy, global innovation coordinator, ainda está em sua fase piloto e prevê a viabilização de projetos através de um crowdfunding corporativo, tanto de recursos financeiros quanto de recursos humanos. “Os gestores têm a possibilidade de investir parte de seus orçamentos e horas de trabalho nas ideias que acreditam ser as mais promissoras”, diz Danielle. Os investimentos variam entre 50 e 5 mil euros.
O dilema cultural das empresas líderes
No Brasil, a cultura corporativa hierarquizada e com processos muito definidos há anos ainda é uma questão que se faz muito presente como um balizador da inovação, sobretudo no que se refere às iniciativas mais disruptivas. “É difícil você convencer as pessoas dentro de uma empresa que há 100 anos vende o mesmo produto de que existem outras coisas com as quais se pode ganhar dinheiro”, comentou um dos respondentes. Ainda não é tão clara a percepção de que processos e hierarquias sólidos, que foram importantes para consolidar impérios corporativos ao longo do último século, a cada dia mais se revelam como ameaça para a sobrevivência dessas mesmas empresas na era digital.
Outra consequência dessa inadequação cultural é o fato de que identificar um líder inovador que possa “apadrinhar” a disseminação da inovação na empresa foi a terceira dificuldade mais votada na pesquisa. “Eu já tinha como sponsor meu diretor de estratégia, sem ele eu não teria conseguido”, diz Rafael Laskier, gerente de estratégia e inovação da Vale responsável pelo desenvolvimento de um processo interno chamado “coalizões de inovação”. “É uma estrutura paralela em que você põe para trabalhar num mesmo problema gente que habitualmente não trabalha junto.” A iniciativa resulta da percepção da necessidade de reduzir a distância entre as áreas e, ao mesmo tempo, promover novas maneiras de resolver antigos impasses.
Para viabilizar suas coalizões, Rafael precisou primeiro sensibilizar os líderes da empresa por meio de conversas individuais, seguidas de um encontro coletivo em que foram definidos temas a serem trabalhados — processo que durou cerca de três meses. Na segunda fase, foram escolhidas as equipes temporárias de cada coalizão e elaborados os planos estratégicos para a execução do projeto. Na terceira etapa, que é aberta à participação de todos os colaboradores, o projeto é de fato posto em prática.
A resposta da Orizon para dar início a uma estrutura de inovação na empresa foi a criação de um laboratório. Luiz Ortiz, diretor de TI, tinha por objetivo inicial otimizar seu time to market e decidiu montar um laboratório de inovação para tornar o processo de teste e prototipagem mais ágil. Por ter um espaço físico diferenciado e equipe dedicada, Luiz entende que o laboratório serve não só para atender demandas do negócio, mas também para influenciar uma mudança cultural interna. “É algo que tem um apelo além do funcional, de marketing também; as pessoas querem se envolver. Este foi um dos aspectos que levamos em conta na hora de decidir pelo modelo laboratório, pois estávamos em busca de uma mudança cultural”.
A pesquisa abordou também outro viés da cultura corporativa, relativo às características pessoais que supostamente seriam bons indicadores de um perfil inovador; foi pedido aos participantes que indicassem o nível de maturidade de suas empresas em relação a uma lista dessas características. Entre as qualidades suficientemente maduras aparecem: curiosidade, resiliência e criatividade, que são atributos mais lúdicos ou primários num estado evolutivo. Entre as capacidades consideradas inexistentes ou que ainda precisam evoluir estão: metodologias para a inovação, habilidades de comunicação e senso de urgência — características extremamente importantes para a inovação nas empresas.
Deve-se notar que a evolução desse quadro é possível por meio de programas especiais de capacitação interna que aliam teoria e prática em projetos reais, relevantes à companhia. É muito importante que esse novo conhecimento seja aplicado imediatamente para fixar a conexão entre as ferramentas de inovação e a rotina de trabalho.
Uma seguradora nacional deu início a esse processo com a implementação de um sistema no qual os próprios funcionários sugerem temas que são posteriormente aprovados por um comitê e dedicam uma parcela do seu tempo a resolvê-lo. Uma equipe de apoio os auxilia com as ferramentas de inovação necessárias ao processo e dá o suporte adequado ao desenvolvimento das atividades. Os resultados mais perceptíveis são o uso do novo instrumental para resolver problemas do dia a dia e o fomento do intraempreendedorismo, ou o empoderamento dos colaboradores em relação a questões da companhia.
Agentes da inovação
Assim como ocorre com as fases da vida, as transformações no contexto corporativo não se dão de uma hora para outra. Iniciam-se com pequenas e consecutivas mudanças que, embora quase imperceptíveis da óptica de atribuladas rotinas, somadas um dia enfim saltam aos olhos. “Não tem bala de prata, é um processo longo, mas que começa em algum lugar”, comenta Paulo de Tarso.
A pesquisa tornou evidente que a mola motriz desse processo — que coincide com a própria trajetória da inovação no Brasil — ainda está associada a indivíduos que, seja por motivação pessoal ou necessidade profissional, munidos de generosas doses de determinação e resiliência, conseguem fazer transparecer em suas empresas o valor de pensar diferente. A ação desses gestores, na prática, tem caráter quase evangelizador, pois é através deles que potenciais stakeholders do processo se sensibilizam e se dispõem a questionar constantemente.
Na foto de hoje, esses “agentes da inovação” não aparecem no centro da imagem, mas é deles a mão que emana da segunda fila, instantes antes do clique, para tentar domesticar o cabelo desgrenhado do filho adolescente.